Brasil em jogo: Como o país pode solucionar o problema das bets?
Entenda a complexidade do problema envolvendo as casas de apostas, como outros países superaram isso e como o Brasil vem tentado frear as bets

As primeiras evidências das famosas bets, do latim, "apostas", remontam às Olimpíadas da Grécia Antiga, onde era comum apostar para ver qual atleta ganharia as competições. Mas tudo era feito de modo informal, como se fosse uma brincadeira. As apostas foram se concretizar mesmo e se tornar um mercado na Inglaterra do século XVIII, com as corridas de cavalos, principal hobbie da classe alta.
No Brasil, a tradição de apostas começou no século XIX, com o jogo do bicho, e logo caíram no gosto do povo. Na década de 1930, com aprovação do então presidente Getúlio Vargas, os cassinos pelo país viviam lotados. Tudo mudou em 1946, quando o presidente Eurico Gaspar Dutra proibiu os jogos de azar, permitindo apenas as apostas controlados pela loteria federal.
Com a constante evolução da internet, não demorou muito para que as famigeradas bets chegassem lá e se tornassem um fenômeno mundial que movimenta bilhões e impacta profundamente a sociedade. O acesso pela palma da mão e a popularidade dos eventos esportivos no país, tornaram o Brasil um local atrativo para as empresas de apostas.
Porém, essa prática não está apenas ligada à lógica do entretenimento. Muitas vezes lida com uma promessa e expectativa de retorno financeiro, levantando debates sobre renda, desigualdade e até mesmo saúde mental dos apostadores e suas famílias.
Pesquisadores no assunto alertam para o impacto, muitas vezes, silencioso que esta questão tem na saúde mental e financeira das pessoas. Dados recém publicados mostram como o aumento da compulsão nos jogos de azar tornam a questão inadiável para o Brasil. Há quem defenda a proibição, outros a regulamentação e ainda há aqueles que acham que deve ficar como está. Porém, são inegáveis as consequências sociais das apostas esportivas no país. O impacto que a atuação dessas empresas é capaz de causar ao redor do mundo transformou esse setor em um problema a ser enfrentado por diversos países. Cada um lida com a questão à sua maneira, podendo ser mais liberal ou restritivo.
Para que seja feito algo no Brasil em relação as bets, é preciso entender os motivos pelo qual ela se popularizou, o porquê das pessoas jogarem, qual o papel dos influenciadores nesse modelo de negócio e como exemplos internacionais podem apontar caminhos para que o Brasil encontre maneiras de lidar com a questão.
Legalizadas por Michel Temer em 2018, mas ainda não regulamentadas, as bets ocupam um espaço importante no cotidiano do Brasil. Atualmente, cerca de 22% da população brasileira aposta nesses sites. Isso quer dizer que essas empresas fazem parte da realidade de quase 50 milhões de cidadãos. Carlos Queiroz, personal trainer de um bairro periférico da zona sul de São Paulo, faz parte desse grupo. Ele, que começou a apostar por influência de amigos, tinha em mente o desejo de complementar a sua renda.
O personal não foi o único que almejava ganhar um dinheiro extra quando começou a apostar. Na verdade, boa parte de quem joga nesses aplicativos começou com esse objetivo, ambição massivamente estimulada através das publicidades feitas por essas empresas, que vendiam a possibilidade de fazer dinheiro de um jeito mágico e fácil. Para o analista do IBGE e professor de economia, Jefferson Mariano, “a maior parcela dessas pessoas são trabalhadoras de baixa renda que têm expectativas de ganho fácil. Mas o tal ganho não acontece.” Isso fica ainda mais claro quando Carlos explica que, apesar de as apostas nem sempre darem certo, a esperança de ganhar um dinheiro a mais é o que o motiva a jogar.






Por que as pessoas apostam?
Para especialistas que estudam o assunto, a chegada das bets causou um grande impacto na saúde mental e financeira da população. De modo geral, entende-se que o fácil acesso aos jogos, uma propaganda que prega o enriquecimento fácil, além da falta de regulamentação para o funcionamento das empresas, são os responsáveis pelo aumento da compulsão por jogos de azar e também do superendividamento de camadas significativas da população.
Segundo estudo realizado pela XP Investimentos, esses jogos chegaram a comprometer 20% do orçamento dos brasileiros mais pobres, que antes já era bastante apertado. Para os cidadãos que ganham até 5 salários mínimos, estima-se que até 60% dos ganhos tenham alimentação e aluguel como finalidade. Para aqueles que ganham apenas um salário mínimo, essa porcentagem é ainda maior:
Essa não é a realidade de Carlos, que apesar de alegar jogar de 3 a 4 vezes na semana, diz não comprometer a renda de sua família, já que realiza apostas baixas. Ao contrário de Carlos , segundo pesquisa feita pelo Senado, 42% dos brasileiros que jogam nas bets estão endividados. Jefferson explica que o comprometimento das receitas com apostas pode significar restrições orçamentárias das famílias, além de aumento de indicadores como o da pobreza e de insegurança alimentar.
De acordo com o Banco Central, dentre os beneficiários do Bolsa Família, projeto que prevê complementar a renda de famílias pobres através da distribuição de recursos, apenas em agosto de 2024, mais de 3 bilhões de reais foram usados em apostas online.
Devido a falta de regulamentação do tema, é difícil dizer com certeza quanto dinheiro os brasileiros têm investido em bets, mas o Banco Central estima que seus cidadãos gastem cerca de 20 bilhões de reais por mês em 2024. Isso é mais que o PIB anual de um estado como o Acre. E, se as casas de apostas fossem um estado, ao fim desse ano elas estariam entre os 10 maiores PIBs do Brasil.






Segundo a Folha de S. Paulo, em 2023 os brasileiros gastaram mais de 60 bilhões em sites de apostas
Isso é o mesmo que o Governo Federal destinou para a reconstrução do Rio Grande do Sul em maio de 2024
Mesmo representando um grave endividamento das camadas menos favorecidas, as bets são importantes para a economia global. Estima-se que elas tenham movimentado cerca de 1,7 trilhões de dólares só em 2023. No Brasil, elas representaram quase 3% do PIB. Isso é quase metade do produto produzido pela educação, por exemplo.
O crescimento dessas empresas é visível. Apenas nos dois últimos anos, o setor cresceu mais de 160% no Brasil. Esse aumento fez com que hoje o país se tornasse o principal consumidor de bets em todo o mundo.
O Brasil é responsável por 25% dos acessos diários desses sites. Isso quer dizer que a cada 4 apostas realizadas no mundo, uma delas é feita em território brasileiro.
Atualmente, o capital arrecadado pelos sites no Brasil é levado para fora do país, já que a sede dessas empresas fica no exterior. Parlamentares que se debruçaram sobre o tema argumentam que as bets são uma indústria de entretenimento que fazem com que os cidadãos deixem de estimular a economia local e passem a desenvolver problemas de saúde pública e de ordem social que representam um alto custo para o país.
Como ainda não há regras que estabeleçam os direitos e deveres das casas de apostas virtuais, questões como pagamento de impostos, contratação de funcionários e a definição de um representante legal no Brasil, ainda não são exigidas. Jefferson entende que esses são recursos que estão sendo drenados para o exterior, e que a regulamentação das bets significa um avanço para o Brasil, “É um processo civilizatório no qual essas empresas possam de fato contribuir para o crescimento do país.”, explica ele. Além dos impostos que as empresas passariam a ter de pagar após a normatização, também há o custo para operação no Brasil.
Todos esses movimentos são vistos de forma positiva e defendidas por Caio Porto, delegado da Polícia Federal e que desenvolve um mestrado sobre o tema. Para ele, o empenho em criar regras para as empresas facilitará sua fiscalização e aumentará a arrecadação. Mas o delegado tece críticas quanto a forma como o tema tem sido abordado pelo Governo Federal. Os debates estão sendo feitos ainda muito centralizados no Ministério da Fazenda. Para Caio, outros ministérios, bem como alguns setores da sociedade, deveriam ter maior protagonismo na discussão, uma vez que suas demandas são tão significativas quanto a futura possibilidade de tributação.
DEPENDÊNCIA
Enquanto os apostadores enxergam as bets como um caminho para a renda extra, as empresas do ramo começam a trabalhar a ideia de que os sites são apenas para diversão e entretenimento. Agora, elas investem na narrativa do “Jogue com responsabilidade” para tentar combater o crescente número de brasileiros viciados em jogos.
Segundo a USP, em 2024, o Brasil chegou a mais de dois milhões de pessoas com ludopatia, o vício em jogos. Esse número representa 1% de toda a população do país. Para Jefferson, “a questão das bets é que tem que ficar mais claro para a população o que é. Mais campanhas, mais peças publicitárias explicando que é um entretenimento”, explica.
Mesmo jogando regularmente, Carlos vê esses aplicativos como um lugar propenso para o vício. Segundo ele, tanto o ganho quanto a perda de um jogo despertam a vontade de realizar uma nova aposta.
Para os psicólogos que têm estudado o assunto, as apostas online, mesmo quando são apenas esportivas, diferem-se de jogos como a loteria federal, por exemplo. Isso porque o acesso aos aplicativos de apostas é muito facilitado, a pessoa pode jogar do sofá de casa, não precisa se deslocar até um lugar específico para o jogo. Além disso, também há uma propaganda massiva que induz pessoas de qualquer idade a realizarem sua “fé”.
Antes, os jovens tinham menor acesso a esse tipo de publicidade e, mesmo quando tinham, era de um jogo que não estava ligado ao esporte mais popular do país. Hoje as pessoas são estimuladas a jogar durante todo o dia, seja em comerciais na televisão aberta, ou por ‘publis’ nas redes sociais.
Todo esse contexto faz com que denúncias ligadas ao uso das plataformas por adolescentes comecem a surgir. Uma delas traz a tona o caso de jovens que jogam com o benefício Pé de Meia, um programa social criado para incentivar a camada mais vulnerável a concluir o ensino regular.
Os jornais também destacam o endividamento de menores de 18 anos em plataformas online.
Tanto as cores, quanto os movimentos, desenhos e sons utilizados no desenvolvimento das plataformas são usados para estimular regiões do cérebro ligadas ao prazer. Ganhar nesse contexto é mais que apenas uma recompensa financeira, mas também há a liberação de hormônios que fazem com que a pessoa se sinta bem, exatamente como substâncias nocivas fazem. E, assim como no uso delas, com o tempo o dependente passa a precisar de mais jogadas e quantidades maiores de dinheiro para sentir o mesmo prazer que tinha no início.
Pessoas mais jovens ou neurodivergentes, possuem predisposição para se viciar nesses jogos. Isso porque o cérebro deles atua de uma forma diferente da convencional e tem relações com hormônios, como a dopamina, bastante diferente dos adultos típicos. A situação dos jovens é ainda mais preocupante, uma vez que seu sistema nervoso ainda não está completamente desenvolvido.
Há um outro grupo que pode ser bastante vulnerável às plataformas: as pessoas de menor renda. Segundo o professor Jefferson, é fácil entender o motivo do vício, “As pessoas no Brasil ganham muito pouco e a aposta é uma possibilidade mágica, uma possibilidade rápida que você tem de ganhar recurso e as pessoas acreditam nisso.”
Especialistas destacam que quanto mais normalizado um comportamento é, através da facilidade de acesso e propagandas, mais a pessoa se sente à vontade para iniciar uma cultura. Isso torna mais difícil de entender que há um problema nesse tipo de conduta e quase improvável a possibilidade de buscar ajuda.
Apesar de saber dos perigos que corre ao apostar nas plataformas e que a banca é sempre soberana, Carlos não pretende para de jogar tão cedo.
ESPORTES
Em 2024 as bets foram as patrocinadoras master de 15 dos 20 times da série A do Campeonato Brasileiro de Futebol. Elas estão presentes também no futebol feminino e em outros esportes disputados no Brasil. Hoje, ao investir em 80% dos times de futebol no país, o mercado de apostas online é o maior fomentador desse esporte nacionalmente. No resto do mundo, essas empresas apoiam apenas 30% dos clubes.




A relação próxima das bets com os esportes não se atém apenas aos clubes. As empresas patrocinam o setor esportivo como um todo a partir do momento em que investem também nos campeonatos e veículos jornalísticos que atuam no tema. Além do patrocínio tradicional, em 2025 as casas de apostas passarão a apoiar outras modalidades através de seus impostos.
A partir da regulamentação prevista para entrar em vigor em janeiro do próximo ano, o Governo Federal pretende destinar cerca de 45% dos recursos provenientes da tributação das bets para o investimento em esportes. Esse dinheiro será dividido entre o Comitê Olímpico Brasileiro (COB), federações estaduais e Ministério do Esporte. Entidades civis são contra a pretensão. Elas alegam que o país possui demandas mais urgentes, como saúde e educação.
Mas para Caio, essa é uma medida interessante, visto que se considerarmos apenas o futebol masculino, 97% dos atletas profissionais ganham menos do que R$2000. Para ele, o esporte precisa de fomento. Modalidades que fogem ao futebol masculino ainda dependem de incentivos federais e essa é uma forma de destinar recursos ao esporte, sem retirar de outro orçamento, já que se trata de um dinheiro ‘novo’.
As polêmicas
Outra trama que cerca o mundo das apostas online são as polêmicas. Dentre elas, a primeira que ganhou repercussão nacional foi a dos jogos de cassino que estão por trás de supostas plataformas de apostas esportivas. Para Caio, a regulamentação desses sites poderá aumentar a fiscalização desse tipo de atividade.
Além das apostas esportivas, que é quando você palpita o resultado de um jogo, por exemplo, ainda existem outras duas modalidades de apostas. A mais conhecida é a “slot game”, que ganhou o apelido de Tigrinho, em que você precisa alinhar figuras iguais.
A outra é a “crash game”, geralmente em forma de avião, que é um prêmio que cresce até a perda ou ganho total.
Carlos já jogou as três modalidades, mas os resultados ruins aliados à falta de previsibilidade de ganhos, fizeram com que ele passasse a jogar apenas nas apostas esportivas. Essa tem sido uma das discussões que as bets despertam. Para a legislação brasileira, jogos que não tenham uma cota fixa - quando a casa de apostas deixa claro o ganho do jogador, conhecido como odd - a atividade é enquadrada como cassino, o que permanece ilegal no Brasil.
Discussões acerca do tema também estão presentes no dia a dia do mundo esportivo. Jogadores de futebol estão constantemente envolvidos em polêmicas com bets, e a principal delas diz respeito à manipulação de resultados.
Em 2022 e 2023, o Brasil liderou o ranking mundial de jogos suspeitos de manipulação. Em linhas teóricas, jogo suspeito é todo aquele que exibe "provas contundentes" de viciação de resultados ou com indícios críveis de manipulação.
Nesses casos, jogadores são coagidos por grupos de criminosos para realizarem certas ações nas partidas, como tomar um cartão amarelo ou um vermelho, e assim, garantirem à quadrilha uma bolada de dinheiro pelas apostas feitas previamente.
Em 2023, o Ministério público de Goias realizou a "Operação Penalidade Máxima", que puniu 16 jogadores por manipulação de resultados do Campeonato Brasileiro, das séries A e B.
Mais polêmicas envolvendo as bets tomaram conta do Brasil em dezembro de 2023, desta vez, tendo celebridades da internet como foco. Na ocasião, o programa dominical "Fantástico" exibiu uma reportagem a respeito de uma investigação sobre influenciadores digitais que divulgavam jogos ilegais, entre eles, Viih Tube, Mel Maia, Juju Salimeni e Jon Vlogs. Segundo a reportagem, a plataforma de apostas "Blaze" entrava em contato com os influenciadores, oferecendo muito dinheiro pela divulgação, que era feita em formato de vídeo nos stories ou post no feed. Prometiam lucro garantido, e assim, enganavam milhares de pessoas.
Conheça mais sobre os casos de alguns famosos investigados por polêmicas com casas de apostas:
DEOLANE BEZERRA
A influenciadora digital foi presa em 4 de setembro, em Pernambuco, acusada de movimentar cerca de 3 bilhões de reais em um esquema de lavagem de dinheiro vinda de jogos de azar. Deolane já havia sido investigada em 2022, por envolvimento com a casa de aposta Betzord. Foi solta 20 dias dias depois, beneficiada por um habeas corpus.
GUSTTAVO LIMA
O cantor chegou a receber um mandato de prisão na Operação Integration, mesma operação que prendeu Deolane Bezerra. Ele também foi acusado de lavagem de dinheiro vinda de jogos de azar.
VIIH TUBE
A influenciadora estava envolvida na investigação divulgada no Fantástico. Em uma de suas divulgações, Viih postou um vídeo em que mostrava ter ganhado muito dinheiro no "Jogo do Aviãozinho", mas logo foi descoberto que o vídeo era editado. Em dezembro de 2023, ela afirmou ter encerrado seu contrato com a casa de apostas Blaze.
BRUNO HENRIQUE
O jogador do Flamengo está sendo investigado por tomar um cartão amarelo de forma proposital em um jogo contra o Santos, em novembro de 2023, a fim de favorecer parentes no mercado de apostas
ALEF MANGA
O atleta do Coritiba foi punido pelo STJD por manipular uma partida, com suspensão de 1 ano e multa de 50 mil reais. Ele teria sido pago em 45 mil reais para receber um cartão amarelo em uma partida contra o Atlético Mineiro, em 2022.
COMO OUTROS PAÍSES SUPERARAM O PROBLEMA DAS BETS?
O mercado de jogos de apostas online, como o "Tigrinho", é um fenômeno crescente em nível global. Alguns países regulamentam fortemente o setor, enquanto outros mantêm posturas mais flexíveis.
Veja como as nações lidam ou lidaram com isso ao redor do mundo:
Malta
Foi pioneira no tema, regularizando o setor em 2001. Sua legislação é bastante favorável às casas de apostas. O país oferece licenças rápidas e baixa tributação, o que atrai as empresas. Mas isso não significa que não há fiscalização. Malta exige que as operadoras sigam regras rigorosas de combate ao crime para poderem operar no país.
Curaçao
Assim como Malta, Curaçao dispõe de leis que favorecem os interesses das bets, como baixos impostos e rapidez para conseguir a licença para operação. Apesar disso, em 2024, o país endureceu suas regras e passou a exigir verificação de identidade para jogar, visando combater a lavagem de dinheiro.
Alemanha
Regulamentou o mercado em 2021, com licenças para cassino online e fiscalização rigorosa, além de ter uma base de dados centralizada que cadastra pessoas que devem ser impedidas de fazer opostas online, por um pedido de familiares ou até mesmo do próprio apostador, visando combater o vício. No momento, também há debates sobre se o país deve proibir ou não a veiculação de publicidade de bets.
Ucrânia
Bloqueou 2.500 sites de apostas ilegais em 2024.
França e Chipre
Baniram os cassinos online, mas esses jogos ainda representam uma parte significativa do mercado, sendo:
- 13% na França
- 21% em Chipre
Na França, também é proibido que influenciadores e atletas façam propagandas de casas de apostas.
Áustria e Polônia
O Estado possui monopólio parcial sobre as apostas.
Bélgica, Dinamarca e Estônia
Apostas online permitidas sob a condição de vínculo com o país. Na Bélgica, cada apostador tem um limite semanal para depósitos nas casas de apostas.
Caminhos e aprendizados ao redor do mundo: como os países lidaram com as Bets
O problema que enfrentamos no Brasil é grave, mas não faltam exemplos em outros países que nos mostram caminhos possíveis para enfrentar o desafio que se apresenta com a chegada das bets.
Para além dos países mencionados, desde a autorização para atuação das casas de apostas em 2018, os Estados Unidos optaram por uma liberdade estatal. Hoje, sete estados da federação americana licenciam bets e o setor movimentou 220 bilhões de dólares, apenas no ano passado.
No país, a publicidade é liberada e não regulamentada, e uma estimativa do banco Goldman Sachs apontou que nos estados onde as apostas são liberadas, enfrenta-se sérios problemas de endividamentos, principalmente entre homens jovens moradores dos municípios mais pobres.
Os impactos dessa política também podem ser vistos nos campos, já que na Liga de Futebol Americano (NFL) são comuns os afastamentos e suspensões de jogadores em função do envolvimento com apostas ou manipulação de resultados.
A União Europeia possui um regramento compartilhado entre os membros. Nele, está estabelecida a troca de informações sobre o tema entre os Estados, além de regras básicas que vigoram em todos os países do bloco. Portugal, Alemanha, Bélgica e Holanda são países que determinaram horários para a veiculação das propagandas de apostas, já a Inglaterra apostou no caminho da criação de uma Comissão de Apostas, em 2005, que ajudou na regulamentação do setor e na garantia de transparência.
No futebol inglês era comum ver casas de apostas estampadas nas camisas de grandes times como Aston Villa, Everton e West Han, mas esses patrocínios estão com os dias contados. Os clubes da Premiere League, principal liga de futebol do país, optaram por não aceitar mais casas de apostas como patrocinadores máster a partir da temporada de 2026/2027, hoje, elas representam cerca de 40% dos clubes. A TV britânica Sky Sports divulgou que o valor somado dos investimento das bets na liga é de 60 milhões de libras, aproximadamente 370 milhões de reais. Elas ainda poderão aparecer em outras áreas, como nos estádios, porém, a medida foi acordada entre os próprios times. Para os atletas a constituição é clara: apostar é proibido e as punições são severas, com a possibilidade de meses de suspensão ou banimento do profissional no esporte.
Diante dos exemplos internacionais, é notório que eles podem nos oferecer alternativas e aprendizados, mas não há uma conduta clara a ser seguida. Afinal, o Brasil apresenta suas próprias complexidades e terá que encontrar, a partir do debate interno, a forma com que enfrentará a questão das apostas.
Como o Brasil tenta enfrentar o problema das bets?
Desde 2023, o Brasil vem tomando ações que buscam enfrentar o problema envolvendo as bets. Em dezembro do mesmo ano, o presidente Lula sancionou uma lei que regulamentava as apostas esportivas (14.790 de 2023). Em linhas principais, a lei esbeleceu que:
- Empresas privadas poderão operar online e em estabelecimentos físicos (antes, as apostas eram permitidas apenas em lotéricas, controladas pelo Governo Federal);
- Deve-se aumentar a idade mínima para apostas de 18 para 21 anos;
- Fica proibida a propaganda dirigida a menores de idade;
- Deve ser obrigatório a identificação dos apostadores.
Em paralelo, também foi pedido que as empresas de apostas implementem políticas que abordem a prevenção à lavagem de dinheiro, jogo responsável e prevenção de transtornos de jogo patológico.
Já em abril de 2024, a portaria SPA/MF 615 determinou que o pagamento dos jogos só poderia ser feito por meio de transferência eletrônica (Pix, TED, cartão de débito ou pré-pago), proibindo o pagamento com cartão de crédito, dinheiro em espécie, boleto, cheque ou criptoativos, visando combater o endividamento por apostas.
Em setembro de 2024, seguindo a portaria nº 1.475, o Governo Federal passou a exigir a adequação das bets às novas normas para que a sua atividade fosse autorizada. Uma das medidas é a cobrança de R$30 milhões por empresa para poderem operar em 2025, além de uma documentação com todos os dados da empresa. Após uma análise, o Ministério da Fazenda divulgou que mais de 200 sites já estão regularizados junto às autoridades brasileiras, no entanto, outros dois mil deveriam ser bloqueados e retirados do ar. Na lista com as casas de apostas aptas a atuar, ficaram de fora grandes bets, como a Esportes da Sorte, que estava envolvida no esquema de lavagem de dinheiro que investigou a influenciadora digital Deolane Bezerra e o cantor Gusttavo Lima, e é patrocinadora master do Corinthians. Posteriormente, ela foi autorizada a atuar, mas apenas no Rio de Janeiro.
Em 15 de outubro, um levantamento feito pelo G1 descobriu que bets ilegais têm conseguido driblar o bloqueio imposto pelo governo federal. São 18 bets irregulares funcionando em sites alternativos – e quase iguais - aos que estavam na lista enviada à Anatel com os endereços irregulares que deveriam ser bloqueados. A estratégia dos criminosos para burlar a proibição foi inserir, após o nome original da página, uma sequência de caracteres, como os números 11 e 22, por exemplo.
O Parlamento Federal tem atuado para combater as irregularidades das casas de apostas. Prova disso é a instauração de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) no Senado, em que os políticos poderão investigar as empresas do setor. A comissão teve início no fim de outubro e se chama CPI das Bets.
Ainda em Brasília, outra CPI que tomou os holofotes, mas dessa vez na Câmara dos Deputados, foi a da Manipulação de Jogos e Apostas Esportivas. Ela tinha por objetivo investigar possíveis casos de combinação de jogos a fim de garantir a integridade do futebol no Brasil, além de apurar supostos casos de lavagem de dinheiro. Ela teve início em março de 2023 e durou até setembro do mesmo ano.
Desde os preocupantes dados divulgados pelo Banco Central, a respeito dos gastos com bets por beneficiários do Bolsa Família e endividamentos, políticos vem se movimentando para instituir limitações às publicidades de jogos na internet ou proibir apostas feitas por beneficiários de programas sociais. Atualmente, o Congresso Nacional tem 7 propostas em tramitação para apertar a legislação em torno das apostas on-line.
Conheça os projetos:
Propostas em vigor atualmente
Alessandro Vieira (MDB - SE)
A proposta do Senador busca limitar ou proibir a participação nas apostas de idosos, pessoas inscritas em dívida ativa ou cadastro de proteção de crédito, além de pessoas inscritas no Cadastro Único (CadÚnico).
“Entendemos que essas medidas restringem as atividades de azar sem inviabilizá-las, ao mesmo tempo em que conferem maior benefício ao país com a prevenção do vício, do endividamento e da prática de crimes”
Randolfe Rodrigues (PT - AP)
O Senador propõe vedar a publicidade, o patrocínio, a promoção de apostas de quota fixa e jogos on-line, e apostas envolvendo o resultado das eleições. Ele compara a situação das bets com a indústria de cigarros, que também é regulamentada, mas é proibida de fazer campanhas publicitárias.
“Por mais que tenha ocorrido a legalização das apostas desportivas em plataformas, isso não pode significar o incentivo ao vício e ao prejuízo financeiro às famílias brasileiras. Assim como a publicidade do cigarro é proibida temos também que desestimular as apostas”
Gleisi Hoffmann (PT-PR)
A deputada federal propõe proibir publicidade, divulgação e propaganda de empresas e casas de apostas – on-line ou não – e de produtos ligados a jogos de azar.
“A nosso ver, a vedação das ações de comunicação, publicidade e marketing relacionadas às loterias de apostas de quota fixa é essencial para reduzir a exposição da população a conteúdos que podem induzir ao comportamento de risco”.
Reginaldo Lopes (PT-MG)
A proposta do deputado federal busca vedar o uso de cartões de crédito e de contas bancárias do Bolsa Família para apostas em jogos on-line, além de estabelecer punição para a empresa responsável por tal atividade que descumprir a lei. A multa pode chegar a R$ 2 bilhões e a empresa pode ter sua autorização para exercer a atividade cassada, sofrer uma extinção da permissão ou da concessão, bem como o cancelamento do registro e o descredenciamento.
“O uso indiscriminado do cartão de crédito tem colocado em risco financeiro boa parte da população. Por isso, não só proteger as pessoas do superendividamento, mas também os benefícios sociais, é de vital importância no cenário atual. O fato é que estas casas de apostas trabalham para obter valores de apostas com um único objetivo de lucrar à custa dos brasileiros”
Tião Medeiros (PP-PR)
O deputado federal propõe proibir beneficiários de programas sociais de efetuar apostas.
“Nossa proposta visa, dessa forma, estabelecer a condicionalidade de que os beneficiários de benefícios sociais não possam participar desse tipo de aposta, já que jogos de azar tem por característica não beneficiar o apostador. Esse aperfeiçoamento da legislação se faz necessária. Com isso, esperamos desestimular os jogos de azar por essa parcela mais vulnerável, bem como zelar pela boa aplicação da política pública e dos recursos públicos”
Arlindo Chinaglia (PT-SP)
A proposta pretende vedar a publicidade de bets que incentivem comportamentos de jogo que sejam socialmente irresponsáveis ou que possam levar a danos financeiros, sociais ou emocionais.
Além disso, o deputado sugere que atletas ou celebridades com menos de 25 anos ou que “aparentem ter essa idade”, bem como “pessoa ou personagem cujo exemplo seja provável que seja seguido por aqueles com menos de 18 (dezoito) anos ou que tenha um forte apelo para aqueles com menos de 18 (dezoito) anos” sejam proibidos de figurar em comerciais de apostas e jogos online ou, ainda, que “figure criança ou jovem com até 25 (vinte e cinco) anos jogando ou desempenhando um papel significativo”.
Luiz Gastão (PSD-CE) e Eunício Oliveira (MDB-CE)
A dupla apresentou propostas para a proibição da veiculação de propagandas de apostas de quota fixa, aquelas em que se tenta prever o resultado de um ato específico, seja eventos esportivos ou jogos online.

Apesar de entender que é necessária uma série de travas para impedir que todos os recursos parem nas bets, o professor Jefferson destaca o lado "entretê" das apostas e não defende as propostas, já que a maioria pretende proibir o acesso às bets a beneficiários do Bolsa Família, “Eu queria destacar a questão do preconceito. Porque fica uma questão como se a gente pautasse aquilo que o pobre pode e aquilo que o pobre não pode fazer com o seu dinheiro” e reforça, “O pobre pode fazer aposta.”
Em relação a manipulação de resultados no futebol, os clubes e as federações também vem buscando implementar ações que visam combater esse problema. Em novembro de 2023, a CBF, entidade máxima do futebol brasileiro, criou a plataforma "Passaporte do Futebol" para o monitoramento de atletas, árbitros, agentes e clubes que possam ser suspeitos de manipulação.
Está previsto para o início de 2025, um trabalho de conscientização a clubes e atletas de Minas gerais sobre o mercado de apostas: o que é permitido ou não, possíveis punições etc.
Já a Federação Catarinense de Futebol (FCF) lançou uma cartilha com orientações e fechou parceria com as federações do Rio Grande do Sul e Paraná para a plataforma educativa da Sportradar, além de ter firmado um acordo com a bet "Rei do Pitaco", por três anos, para o monitoramento das competições adultas.
"O monitoramento fornece informação sobre qualquer nível de suspeita ou irregularidade, ou concentração de apostas numa determinada odd ou partida. Ele identifica automaticamente e informa em tempo real, aí a federação toma a decisão na hora, até de anulação da partida. Não tivemos nenhum processo suspeito neste ano e nem queremos ter"
Clubes da Série A do Campeonato Brasileiro como Palmeiras, Atlético-MG, Athletico Paranaense e Botafogo promoveram ao longo de deste ano ações de prevenção à manipulação de resultados, com palestras com informações sobre casos reais, riscos e consequências.
A importância da regulamentação
A regulação das apostas pode ajudar a inibir problemas como a manipulação de resultados, a lavagem de dinheiro e o vício, além disso, proíbe a propaganda voltada para crianças e prevê assistência psicológica e suporte do SUS, quando as casas de aposta detectarem um comportamento atípico de algum apostador.
Para quem estuda o tema, fica clara a relevância de se regulamentar ao invés de restringir o funcionamento das bets, como explica o professor Jefferson, deixando claro que o governo brasileiro deve sim ir atrás da regulamentação, se não, ficará isolado, “Não dá para proibir. A gente já passou desse estágio”. Ele defende que criar normas para a atuação desses sites possa criar novas receitas, além de ajudar a combater o superendividamento e o vício.
A regulamentação promove o Jogo Responsável, sendo importante para trazer segurança, tanto para os apostares, quanto para as próprias casas de apostas, além disso, permite melhorias na identificação dos usuários e impede que empresas não confiáveis atuem.
Pessoas como Carlos continuarão fazendo apostas, em grande parte, porque gostam do entretenimento, mas, tendo uma regulamentação e sendo consciente dos riscos de perda, poderão se sentir seguras e fazerem apostas com tranquilidade.
